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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2015

Um Concerto Triunfal

Um conjunto de música de câmara, como se costuma dizer, famoso por apenas tocar música antiga em instrumentos da época e cujo reportório se limita a Rossini, Frescobaldi, Vivaldi e Pergolesi, deu um concerto num velho castelo nas margens do Attersee e aí conheceu o maior sucesso da sua carreira. Os aplausos só terminaram quando o conjunto de música de câmara não encontrou mais nenhum número extra-programa para tocar. Não foi senão na manhã seguinte que se revelou aos músicos que tinham tocado numa instituição de surdos-mudos. Thomas Bernhard, tradução de Myrna Minkoff, texto sonorizado por Pedro Coelho para a rubrica “Ostra”, emitida na Antena 2 Próximo sábado, 30 de Maio, pelas 17h00, no Gato Vadio.

Dimitrije cai e volta a cair

Uma coisa é certa: alguém devia impedir Dimitrije de sair de casa. Sempre que atravessa a porta de entrada, escorrega e cai. Apesar disso, e contrariando as mais elementares regras da prudência, insiste em vestir o casaco, pôr o chapéu e sair. Nunca deixa de ir à rua. Ontem caiu quatro vezes. Anteontem, seis. Na primeira semana de Maio deve ter caído umas vinte vezes. Alguém devia impedi-lo de sair de casa. Mas quem? É uma coisa muito chata porque se magoa com frequência. Tem feridas nas pernas, nos joelhos, nos braços, nas mãos, o nariz partido, a cabeça rachada, o queixo aberto, quase todos os dentes perdidos. Dimitrije cai e volta a cair. O casaco rasga nas mangas, o chapéu voa para longe. Fora de casa, por mais cuidado que tenha, escorrega sempre em qualquer coisa. Muitas vezes escorrega em objectos tão insignificantes como uma folha de papel, por exemplo. É realmente muito chato. Além disso, é monótono. Todas as quedas, todas as feridas, fracturas, nódoas negras, esfoladelas, c

Assino por baixo, se me é permitido

Quando ainda estava em Londres, fui surpreendentemente nomeado vogal, em representação do Primeiro Ministro, da Comissão da Língua portuguesa ou lá como se chamava, sendo chamado a pronunciar-me sobre o Acordo. Votei contra e dei as minhas razões, tendo o cuidado de não medir as palavras… Tenho escrito frontalmente contra o acordo e assinado todas as petições contra o dito. O problema é a profunda iliteracia e cobardia dos deputados que insistem em implementar este aborto, devido ao lobby forte dos editores oportunistas que se apressaram a fabricar manuais e dicionários, seguindo o (des)acordo, contra o que tudo recomendava. Agora choram por causa do 'prejuízo' que traria a abolição de obsceno COISO (que a inefável Edite Estrela defende com argumentos de sopeira, sem desprimor para as sopeiras, que já não há…) Este acordo, filho espúrio do Malaca Casteleiro, meu colega da Academia e um dos homens mais burros e obstinados, que há debaixo da Via Láctea (burro e gago: a tempestade

Próximo sábado, 30 de Maio, pelas 17h00

 Cartaz de Luís Nobre, da dupla Lina&Nando .

Inversão

Embora eu sempre tenha odiado jardins zoológicos e na verdade achado suspeitas as pessoas que os visitam, não escapei de ir certa vez ao zoológico de Schönbrunn e, a pedido de meu acompanhante, um professor de teologia, deter-me diante da jaula de macacos para observar aqueles aos quais ele, meu acompanhante, alimentava com a comida que, para esse fim, tinha levado no bolso. O tempo passou e o professor de teologia que me pedira que fosse com ele a Schönbrunn, um ex-colega da faculdade, já havia dado aos macacos toda a comida que trouxera consigo quando, de repente, os próprios macacos, por sua vez, puseram-se a coletar a comida que se espalhara pelo chão e, através das grades da jaula, ofereceram-na a nós. O professor de teologia e eu ficamos tão chocados com o súbito comportamento dos macacos que, no mesmo instante, demos meia-volta e partimos de Schönbrunn pela primeira saída que encontramos. Thomas Bernhard, O imitador de vozes . Tradução de Sergio Tellaroli.

Um demolidor de histórias

Sou um demolidor de histórias, sou o demolidor de histórias típico. Nos meus textos, se uma anedota se esboça, ou se mal vejo aparecer de longe, atrás de uma colina de prosa, o vago contorno de uma história, liquido-a imediatamente. Acontece o mesmo com as frases: sinto logo ganas de matar frases inteiras assim que vejo que poderiam formar-se. Thomas Bernhard, Trevas . Tradução de Ernesto Sampaio.

Bruscon diz

(...) Se formos honestos não podemos fazer teatro nem podemos se formos honestos escrever uma peça de teatro nem representar uma peça de teatro se formos honestos não podemos em absoluto fazer outra coisa que não seja suicidarmo-nos como porém não nos suicidamos porque não nos queremos suicidar pelo menos até hoje e até este momento não como portanto até hoje e até este momento não nos suicidámos continuamos a tentar o teatro escrevemos para o teatro e representamos teatro ainda que tudo isso seja a coisa mais absurda e a maior das fraudes Como pode representar o papel de rei um actor que não faz sequer uma vaga ideia do que é um rei como pode representar o papel de moça de estrebaria uma actriz que não faz sequer uma vaga ideia do que é uma moça de estrebaria quando um actor do Nacional representa o papel de um rei só consegue ser sensaborão e quando uma actriz do Nacional representa o papel de moça de estrebaria só consegue ser ainda mais sensaborona mas

Mesmo nos dias enevoados e durante a noite

O Tio Lucas ensinara um cão a dançar. domesticara uma cobra e fizera com que um papagaio dissesse as horas por meio de gritos, conforme os ia marcando um relógio de sol que o moleiro tinha traçado numa parede; e daí resultara que o papagaio dava já as horas com toda a precisão, mesmo nos dias enevoados e durante a noite. Pedro Antonio de Alarcón, O chapéu de três bicos . Tradução de Manuel do Carmo.

O prazer do tabaco

Georgine Ulyanov, cuja beleza oferecia atractivos que nunca cansavam. Georgine Ulyanov, cujos longos caracóis de ouro caíam em cascata sobre os ombros mais bem modelados que a natureza tem produzido nas suas horas de perfeição. Georgine Ulyanov, cuja nobre face resplandecia com a brancura da flor-de-lis e o vermelho das rosas. Georgine Ulyanov, cujos olhos lembravam os de um falcão solitário, pairando cada vez mais alto. Georgine Ulyanov, cuja boca miúda parecia ter por lábios dois admiráveis rubis. Georgine Ulyanov, cujo narizinho de fina pele valia um poema. Georgine Ulyanov, cujo perfume, oh, senhores – como direi? – punha a imaginação dos cronistas em lufa-lufa. Georgine Ulyanov, que era uma clássica adepta – e peço desculpa pela locução pomposa, mas expressiva – do dolce far niente. Georgine Ulyanov que aparecia todas as manhãs na mais festiva disposição de espírito. Georgine Ulyanov por quem se tinham suicidado oito cavalheiros, talvez dez. Georgine Ulyanov, que era de uma ine

Foi ontem

Sinto-me liberto de um grande fardo. Que sorte inesperada! Que vão para o diabo as insígnias de engenheiro, os instrumentos e os orçamentos de obras! Não é vergonhoso regozijar-se um homem com a morte duma pobre tia, pelo único motivo de ela lhe ter deixado uma herança que lhe permitirá aposentar-se? É certo que, ao morrer, me suplicou que me consagrasse à minha ocupação preferida e que, entre outras coisas, me alegra cumprir o seu voto supremo. Foi ontem... Que cara fez o meu chefe quando lhe anunciei a intenção de me demitir! E ao conhecer o motivo, ficou de boca aberta. - Por amor à arte?... Hum!... Faça o requerimento. Vsevolod Garchine, A flor vermelha . Tradução de Marília Guerra de Vasconcelos.
Ver O Passado e o Presente só agora (última quinta-feira à noite na RTP2, integrado numa homenagem de circunstância), fora de ordem cronológica e depois dos outros amores frustados de Manoel de Oliveira, é uma experiência curiosa — é mais ou menos como encontrar um pedacinho de papel rasgado que nos permite decifrar um recado antigo. Se a palavra não fosse tão pesada, aventurava-me a dizer que este filme é um programa , mas o ritmo não consente. O ritmo começa por ser a música de Mendelssohn (camada sobre camada, "Sonho de uma Noite de Verão" sobre os desenganos amorosos de Shakespeare), essa é a primeira impressão do cinema mudo e é assim que o filme abre. Depois, pouco a pouco, vamo-nos apercebendo que o ritmo é tudo: desde a câmara excitada e ágil ao enquadramento rigoroso, dos movimentos diletantes dos actores aos diálogos um bocado gagos e, por isso mesmo, perfeitos para a função (a gaguez é uma das características mais potentes da modernidade). Manoel de Oliveira dis