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Mensagens

A mostrar mensagens de dezembro, 2024

Ver um filme

Straub’s sentence: “It’s taken me twenty years to learn how to watch a film.” He said it with the irritation of a worker proud of this difficult knowledge. But what does it mean? To see and to listen to what is there (visible and audible). To see for example – in the same glance – John Ford’s shot, the shooting of the shot, the horse, the actor separately from his role, the character separately from the body, the human being separately from his social function. To listen to the music knowing that a Central European Jew fleeing Nazism composed some sub-Schoenberg to earn his living, to listen to the direct sound, etc. It’s an aim of course, but it is the only possible materialist approach.   Serge Daney, 25 de março de 1988. Tradução de Andy Rector e Laurent Kretzschmar .

Uma coisa viva

(...) À Sophia apaixonava-a um trabalho rigoroso das palavras mas sabia como ninguém que a língua é uma coisa viva, parte fundamental do pensamento, e gostava que o trabalho de fazer os acertos na tradução permitissem conversas que as próprias palavras suscitavam. Para se perceber as suas escolhas de tradutora tem de se entender a sua ideia de tradução: uma verdadeira interiorização, até musical, do texto inglês e a resposta — como se fosse um eco que falasse português e que tantas vezes parecia tradução literal, sendo no entanto o resultado de uma escolha não a favor da fidelidade literal mas sim de outra fidelidade mais inteligentemente entendida, a fidelidade de encontrar em português uma linguagem teatral para um texto destinado a ser representado e a uma poética sua, fiel à de Shakespeare. (...) Luís Miguel Cintra, prefácio a «Muito barulho por nada»
A última frase da nota que antecede Os homens e os outros , de Elio Vittorini: «Os tradutores [Elena Ricci Pinto e J. Wilson Pinto] apagaram-se intencionalmente».

Vantagens do turismo

Nove da manhã, seis graus centígrados. A cidade ainda está meio estremunhada. As colunas de som da esplanada do antigo café Luso (transformado, entretanto, numa coisa de cujo nome não me lembro nem quero lembrar) espalham pela Praça de Carlos Alberto, como brasas, as notas de Stayin' Alive , dos Bee Gees.

Nicho

«Trata-se de explorar um nicho de mercado», dizia a notícia, a propósito de um qualquer novo negócio. O meu amigo comentou: «O longo braço do mercado chega a todo o lado. Um dia destes um tipo precisa de um nicho para meter um santinho e encontra tudo ocupado.»

Em Marcha

Se publicar isto, confiscamos o livro

Juan Filloy, em 1987. Nunca se interessou pelo sucesso, nunca se preocupou com isso? Absolutamente. E talvez por isso ele nunca tenha chegado. Ao longo da vida, não mexi um dedo, não bati à porta de uma editora. Pagava as minhas próprias edições: 300, 400 exemplares, impressos em gráficas de Rio Cuarto, e algumas de Buenos Aires, que depois distribuía pelos amigos. Fazia edições que designava por «edita mi corum». Nunca vendi um livro. Foi um worst-seller . Sim. E quando me envolvi com uma editora de Buenos Aires, assinei três contratos para a edição de 6000 exemplares. Editaram três romances ( Op Oloop , ¡Estafen! e La Potra ), mas não o que tenho em maior estima, Caterva . É um romance estuário: tem 560 páginas. É um bom romance, para muitos leitores o melhor que já escrevi. Sempre pensei que considerava La Potra como o seu melhor livro. Ah, sim, o que digo é que muitos amigos gostam mais de Caterva . Eu, claro, gosto de La Potra , e também de Op Oloop . Por outro lado, ¡Estafen! ...

Recomeçar tudo

22 de Abril de 1936 A verdade é que nada deste mundo me atravessou ainda o espírito, projectando-se em radiografia na sua estrutura de realidade constitutiva e metacorpórea. Não atingi ainda o esqueleto cinzento e eterno que está por baixo. Vi cores, respirei odores e sacrifiquei gestos, contentando-me com uma alegria electiva e reordenadora. Fiz espírito como quando se está com amigos, e gozei sozinho. Ignorei a palavra pensada. As minhas palavras foram apenas sensações. Os meus retratos foram quadros, não dramas. Fixei-me sobre determinadas figuras e ruminei-as e contemplei-as tanto que cheguei a reproduzi-las numa transfiguração satisfatória. Simplifiquei o mundo, reduzindo-o a uma banal galeria de gestos de força ou de prazer. Naquelas páginas encontra-se o espectáculo da vida, não a vida. Tenho de recomeçar tudo. Cesare Pavese, O Ofício de Viver . Tradução de Alfredo Amorim.

Emaranhamento

O processo funciona através da exploração do emaranhamento quântico, uma técnica em que duas partículas estão ligadas, independentemente da distância que as separa. Em vez de as partículas viajarem fisicamente para transmitir informação, as partículas emaranhadas trocam informação a grandes distâncias, sem a transportarem fisicamente.

Dos jornais IX

"Começaram a mandar o pessoal sair por fases, a partir das 10 horas, porque estava previsto juntarmo-nos em massa no final do turno. Mandaram embora mais cedo para nos dispersarem. Entretanto um grupo pendurou as batas e, passado um bocado, o porteiro veio recolhê-las. Sentimos que foi uma falta de respeito recolherem assim as batas”, contou Catarina Almeida, de 43 anos, adiantando que já ontem as tinham "tentado demover da ideia" de pendurarem as batas, "para passarem em branco”.

Cheias de graça

Nos seus filmes, Ford não nos fala do oeste real, faz um comentário em segundo grau do mito popular do oeste. Os seus filmes são um mito ao quadrado. Não se trata de converter em mito o Oeste real, mas, partindo de um mito popular, conferir-lhe dignidade estética, por assim dizer; refiná-lo, poli-lo, elevá-lo ao mais alto grau, destilá-lo, o que se quiser; pôr esse mito de andar por casa num pedestal, conseguir  disfrutar dele ao máximo. Talvez a sua atitude não seja muito diferente da dos grandes compositores quando fazem obras a partir do folklore. Ainda para mais tendo em conta que, para Ford, o principal é a música. Para ele, um mito é sobretudo musicalidade. E também arte plástica e poesia, como já assinalamos em relação à «trilogia». Claro que Ford não é um homem da cultura, como esses grandes compositores, mas o que acontece é que quando querem fazer alta cultura com Buffalo Bill, sai um filme de Altman.  Ford é um apaixonado da cultura popular, como têm de ser todos os...

A complicated dialectic

Our first glimpse of Wayne is so sensational and unusual — the camera’s quick track forward as Wayne twirls his rifle — that we may experience today as Ford’s prophetic introduction of The Great Western Star. But there was no reason to suspect in 1939 that Wayne would become a god. Ford is introducing The Ringo Kid , who is already a god, with Monument Valley behind him evoking eternal truth. With many other moviemakers — Howard Hawks, for example — landscapes are bare, transcendentals are missing, along with families, social classes, races, anything that defines people. In contrast, with Ford there is always a complicated dialectic — a drama, conflict, tension — between an individual and the culture, mores, values, traditions, religion, race, sex, class and profession which a person lives in like a fish in water. John Ford — the man and his films, de Tag Gallagher

Not simply a valley, not simply a coach.

Monument Valley, on the Navajo lands in northern Arizona, made a sort of movie debut in Stagecoach and, always photographed with opulence, became a defining element in Ford’s harsh, stony West through six subsequent appearances. But even this first time, the valley is not simply a valley, but a valley melodramatized; and the coach is not simply a coach, but the historic mythos of «the West», like Greek temples.     John Ford — the man and his films, de Tag Gallagher

Bode expiatório

O estrangeiro como bode expiatório. Shiiku [ The Catch ], de Nagisa Ōshima , não é apenas sobre isso, mas é principalmente sobre isso. O estrangeiro, o outro, o diferente, como o culpado de todos os males que assolam a comunidade. A mais repulsiva, estúpida e inútil forma de catarse.

Chaves

Nas últimas semanas, e por razões de trabalho, tenho lido artigos, capítulos e livros sobre Hamlet . Cada estudioso tem uma chave única para a compreensão da peça. Há mais chaves na Academia para desvendar os «segredos» do texto de Shakespeare do que em todos os chaveiros do mundo juntos.

Die letzten Menschen

Se tentarmos explicar os filmes de Pedro Costa a uma lebre morta, apercebemo-nos de algo que não é bem cinema, mas é muito mais importante. Quando Pedro Costa conseguiu livrar-se da idealização da cinefilia, todos os seus filmes passaram a ser construídos sobre ligações poderosas de amizade, amor, e admiração. Se olharmos com atenção, vemos a forma de uma coisa abstracta — não uma ideia de cinema, mas (retratos e) sentimentos reais. Uma ida ao cinema transforma-se assim num confronto com a «presença inteira de alguém» .   São todos enormes.

As relações entre homens e mulheres nos séc. 20/1

O cinema está cheio de imagens de relações dinâmicas entre homens e mulheres. Três exemplos transnacionais: nos filmes de Naruse, andar com alguém significa, antes de mais, andar ao lado de alguém ao longo das ruas e caminhos; Godard transforma o acto de ir para a cama num jogo de palavras e pensamentos (a riqueza da linguagem!); em Hong Sang-soo, os homens e as mulheres passam a maior parte do tempo à mesa, a comer, a beber e a conversar sobre coisas corriqueiras — tudo é graça.

A máscara não cai

Ontem à noite, fomos ver Onibaba , de Kaneto Shindô . No filme, não existem seres maléficos saídos do inferno para assustar os humanos, mas humanos que são maléficos. Claro: a ideia não é original. O que é original é a noção de que os humanos que escolhem pôr a máscara de demónio, transformam-se em demónios. A máscara é a sua única fisionomia. Retirá-la é o mesmo que mutilar o próprio rosto.

Faire le lit

Há um pequeno raccord doméstico entre A mãe e a puta e Adeus à Linguagem .  No filme de Eustache, Jean-Pierre Léaud diz e põe em acção: «os filmes servem para aprender a viver, servem para fazer a cama».  No segmento 2 — a metáfora do filme de Godard, Ivitch e Marcus estão na cama e tentam enfiar o edredão dentro da capa. (Já nem me lembro do que dizem, só guardei os gestos bruscos.) Gostava de ver uma montagem de todas as cenas homem-mulher-cama dos filmes de Godard. Na tal sala de cinema clandestina Junto à estação de comboios (um pequeno balcão para beber chá ou saké, um cão ou dois, o corredor escuro, cadeiras vermelho coçado).

Fulgor de fim de partida

A fisiologia não é um instrumento de análise do pensamento. Às vezes sabemos algum pormenor das funções orgânicas de um ou outro filósofo, uma disfunção, uma doença mais grave, mas esses factos são resguardados e não afectam o trabalho de escrutínio dos seus raciocínios — simplesmente, não é assim que as convenções académicas funcionam.  Porém, quando um pensador faz gala de se afastar das práticas admitidas, tudo é possível. É o que acontece com Emil Cioran: para compreendermos os seus pensamentos devemos, antes de mais, esquecer o jargão da hermenêutica e considerar a fisiologia e as suas palavras clínicas.  Essa é uma das ideias que se apreende logo nas primeiras páginas dos seus Cadernos . Quando começou a escrever estas notas diárias, Cioran tinha 46 anos o que, na altura, correspondia a uma idade já um bocado avançada (em 1957, a esperança de vida em França para os homens era de 65,5 anos). Mas o problema é mais estrutural. Para além dos males do espírito de que sofre de...
Há salas de cinemas de subúrbio vazias como hangares e belas como cais de sonhos. São as que prefiro. Os grandes estabelecimentos das avenidas, com as suas poltronas de veludo vermelho e arquitetura de ópera cómica, onde a talha dourada se derrama sobre as cariátides melosas, são feios e antipáticos. Apesar da obscuridade dissimular esses horrores teatrais, os filmes mais belos perdem aí a selvajaria. Para que serve, então, o luxo desses salões, que só valem pelas trevas?  Pelo contrário, as salas pobres, essas cuja pintura descasca um pouco e dissimulam a lepra sob os belos cartazes de filmes, possuem uma verdadeira atmosfera de emoção e aventuras.  Lembro-me daquela sala em Levallois, já desaparecida, onde vi O Clube dos Valetes de Copas e Fantomas . Era tão grande e tão vazia que os gritos do público ecoavam como num vale. E lá ao fundo, uma orquestra esforçava-se em ruídos discordantes, como a orquestra de um navio a afundar-se, cujos músicos, por uma tradição que nunca...

Dos jornais VII

 

Dos jornais VI

 

Basta leer cuentos

Tenía algo más de una hora entre  Après la reconciliation y Carrie y entré en un bar. En la pantalla de televisión, estaban poniendo una película muda. El formato estaba mal, en 16/9, pero recortando la imagen, no aplastándola, así que las expresiones de los rostros y de los cuerpos, aunque un poco recortadas, se veían bien. Me quedé fascinado. Parecía un melodrama. Un hombre quemaba la foto de una mujer. Esa mujer andaba por las calles con un bebé en brazos. Era todo muy esencial y desolador. Pensé en Una mujer de París pero no me cuadraban ni la historia ni las calles californianas. Entonces la mujer abandonó al niño en un coche y unos ladrones llegaron y robaron el coche. Ahí caí en la cuenta, debía ser The Kid . Hacía mucho que no la veía y había olvidado de dónde salía ese niño. Al poco, ya tenía Charlot al bebé en brazos y andaba intentando deshacerse de él. La situación seguía siendo terrible pero era, al mismo tiempo, muy divertida. Yo bebía y me reía. Era el único...
— Vá avozinho, despacha-te! Tens de ir para a cama. Vá lá, come a sopa. Vá, diz a tua frase: «Em princípio, os pobres têm razão.»