O primeiro livro de Margarida Vale de Gato intitulava-se “Mulher ao mar”. Este segundo chama-se “Lançamento”. É quase impossível não estabelecer uma relação directa entre os títulos. Ambos remetem para a ideia de salto e queda. E se “Lançamento” foi precipitado “porque alguém que era próximo morreu”, como escreve a autora na “introdução”, “Mulher ao mar” funciona como uma espécie de assombroso prenúncio. Um secreto mise en abyme. Ou não. É fácil ver a morte para onde quer que olhemos.
A queda bíblica pertence ao Homem e a Lúcifer. Há um poema em “Satanás Diz”, de Sharon Olds, traduzido por Margarida Vale de Gato e intitulado “Teme-se que se tenha afogado”, que insiste em introduzir-se na minha leitura de “Lançamento”. Eis o poema de Olds:
***
TEME-SE QUE SE TENHA AFOGADO
De repente ninguém sabe onde estás,
o teu fato negro como algas, o teu rosto
barbudo escorregadio como foca.
Alguém olha pelas crianças.
Avanço até à fímbria da água, agarrando-me à toalha
como um véu de viúva sobre mim.
Nenhum dos nadadores condiz.
Muito baixos, corpulentos, de barba feita,
erguem-se da ressaca, a água
escorrendo-lhes pelos ombros.
As rochas despontam junto à costa como cabeças.
A barrilha espalha-se como um fato negro esfarrapado
e não te consigo encontrar.
O meu estômago começa a contrair-se como que
para vomitar água salgada.
quando subindo a areia ao meu encontro vem
um homem que se parece muito contigo,
a sua barba eriçada como as ervas da praia, o seu fato
negro como uma concha húmida contra o seu corpo.
Aproximando-se, afinal ele
és tu - ou quase.
Quando se perde alguém nunca é
exactamente a mesma pessoa que regressa.
"Lançamento", de Margarida Vale de Gato, será apresentado na Sede, sábado, 10 de Dezembro, pelas 17h00.
De repente ninguém sabe onde estás,
o teu fato negro como algas, o teu rosto
barbudo escorregadio como foca.
Alguém olha pelas crianças.
Avanço até à fímbria da água, agarrando-me à toalha
como um véu de viúva sobre mim.
Nenhum dos nadadores condiz.
Muito baixos, corpulentos, de barba feita,
erguem-se da ressaca, a água
escorrendo-lhes pelos ombros.
As rochas despontam junto à costa como cabeças.
A barrilha espalha-se como um fato negro esfarrapado
e não te consigo encontrar.
O meu estômago começa a contrair-se como que
para vomitar água salgada.
quando subindo a areia ao meu encontro vem
um homem que se parece muito contigo,
a sua barba eriçada como as ervas da praia, o seu fato
negro como uma concha húmida contra o seu corpo.
Aproximando-se, afinal ele
és tu - ou quase.
Quando se perde alguém nunca é
exactamente a mesma pessoa que regressa.
"Lançamento", de Margarida Vale de Gato, será apresentado na Sede, sábado, 10 de Dezembro, pelas 17h00.
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