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Pecado original



JASÃO volta-se para os homens. 

Que um de vós faça guarda à volta do fogo até que não haja mais do que cinzas, até que os últimos ossos de Medeia estejam queimados. Os outros, venham. Regressemos ao palácio. É preciso viver, agora, assegurar a ordem, dar leis a Corinto e reconstruir sem ilusões um mundo à nossa medida para esperarmos morrer nele.


Eis uma das marcas essenciais do texto de Jean Anouilh: a ironia. Ou melhor, um profundo pessimismo existencial que só pode traduzir-se numa longa e permanente ironia. Que mundo podemos reconstruir a partir da “nossa medida”? Se a medida do mundo é a de Jasão - que não é mais nem menos humano que os restantes personagens, incluindo Medeia, obviamente - não será um mundo condenado desde a primeira hora? Acontece que é o único que existe. Não temos outro. E o que Anouilh diz, parece-me, é que estamos condenados a viver nele sem possibilidade de salvação, manchados pelo pecado original da nossa imperfeita condição. Um mundo onde inevitavelmente nascerão novas Medeias. Sempre.

Medeia, de Jean Anouilh, pela companhia Público Reservado. 
Teatro do Campo Alegre, 4 a 7 de Outubro.

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