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A mostrar mensagens de agosto, 2018

A roda do tempo

«O Oriente é a terra de tudo o que há de maravilhoso», escreve W. H. Wackenroder em Um maravilhoso conto oriental de um santo nu . Neste conto, Wackenroder relata a história de um «santo oriental» que, a certa altura, e na solidão da sua gruta, se convence que tem uma missão essencial a desempenhar no mundo: fazer girar a roda do tempo. Sem ele, a roda do tempo pararia e o mundo saltaria do seu eixo. Noite e dia, este ser maravilhoso não tinha descanso na sua estância. Parecia estar constantemente a ouvir, no interior dos ouvidos, o movimento circular e sibilante da roda do tempo. Perante este ribombar, nada conseguia fazer, não havia nada que pudesse empreender; a gigantesca e assombrosa angústia que continuamente o extenuava impedia-o de ver ou ouvir algo que não fosse o ruído da terrível roda, a girar e a girar, num tempestuoso e sibilante remoinho que chegava até às estrelas. (...) Os sons monótonos emaranhavam-se cada vez mais e de forma cada vez mais selvática: era-lhe impossív

Mais adiante!

É nas últimas sequências do filme de Aleksandr Sokurov que Fausto  revela toda a amplitude do seu incontrolável desejo de superação. Nada é suficiente, nada o satisfaz, «fervilha nele a febre da distância» (Goethe, v. 303). MEFISTÓFELES (Mauricius): Fizemos um pacto. Eu fiz tudo o que prometi, mas tu… FAUSTO: Não é suficiente para mim. Valho mais do que isso. MEFISTÓFELES: Que mais queres? Outro sol? Outro homúnculo? Dois, talvez? FAUSTO: Não é suficiente para mim! A ambição de Fausto não conhece limites. O Diabo é apenas um instrumento — como, de resto, também Margarida — da cega avidez deste «pequeno deus do mundo». Na verdade, Fausto assassina o Diabo, lapidando-o: o símbolo máximo do pecado morre sob as pedras lançadas pelo maior dos pecadores. A sequência anterior ao assassínio de Mefistófeles, junta os dois personagens diante de um géiser. É o momento crucial do filme. O ponto onde o velho mundo e a modernidade se separam irremediavelmente. Onde acaba o mistério e começ

O medo

No seu Quando as Ruas Queimam: Manifesto pela Emergência , você diz que nossa época vai passar para a história como o momento em que a crise virou uma forma de governo. Você está falando do medo que é gerado pela crise? Sim, como efeito. É importante entender como o discurso da crise se transformou num modo de gestão social. As crises vêm para não passar. Por exemplo, nós vivemos numa crise global há oito anos. Isso do lado socioeconômico. No que diz respeito aos problemas de segurança, vivemos uma situação de emergência há quinze anos, desde 2001. Ou seja, são situações nas quais vários direitos vão sendo flexibilizados, em que os governos vão tendo a possibilidade de intervir na vida privada dos seus cidadãos em nome de sua própria segurança. É muito mais fácil você gerir uma sociedade em crise. Então, a sociedade em crise é uma sociedade, primeiro, amedrontada; segundo, é uma sociedade aberta a toda forma de intervenção do poder soberano, mesmo aqueles que quebram as regras, quebr

Impressões de viagem

Café Central As paredes do Café Central, Central Kávéház , em Budapeste, estão quase integralmente decoradas com fotografias de escritores húngaros. Todo o cânone local. Consigo reconhecer Kosztolányi Dezsö, Attila József, Márai Sándor, Endre Ady, Géza Csáth e Orkëny István. Autores que, num momento ou noutro, já foram editados em Portugal. Mas há dezenas de outros nomes e rostos que desconheço por completo. Para um simples leitor português, a grande maioria não passa justamente de um nome e um rosto a preto e branco. Como uma espécie de homenagem ao «escritor desconhecido», morto em combate, na guerra interminável com as palavras e o vazio. Girassóis Ei-la, a estrada entre Budapeste e Belgrado. Um pormenor em linha recta num horizonte de infindáveis campos de girassóis. Não são plantas, mas espantalhos. Milhões de espantalhos, de pendentes e monstruosas cabeças, e de um só olho, enorme e triste, fitando a terra, nunca o sol. Ratko Lalić, Suncokreti , 2000. Prevod, Pr