Estava em casa e esperava que a chuva viesse , na versão da companhia Público Reservado , é o longo e lento bailado de cinco actrizes a dançar com um texto. É um daqueles raros momentos em que sentimos todo o poder das palavras, a prova cabal de todo o seu potencial eléctrico. Cinco corpos animados apenas por sílabas, como numa espécie de possessão. Cada gesto, cada movimento, cada inflexão ou pausa, é determinado pelas palavras. É por isso que não existe praticamente cenário, porque em lugar de objectos há vocábulos. É por isso que não existe música, porque o som que interessa é o das vozes. E é também por isso que os corpos se deslocam e dispõem no espaço de maneira rigorosamente matemática, porque a sintaxe tem uma ordem, um ritmo próprio, com acelerações e desacelerações, prolongamentos, repetições, ecos. Estava em casa e esperava que a chuva viesse não vale tanto pela construção literária — o texto de Jean-Luc Lagarce está entre A Casa de Bernarda Alba , de Lorca, e Danças a um