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Por sua conta e risco

Miguel Ramalhete Gomes, no artigo Censura e obsolescência: «A história da relação entre Heiner Müller e a censura na antiga República Democrática Alemã é complexa e não sem uma série de momentos inesperados. Curiosamente apenas poucas peças terão sido objeto de uma censura explícita que durou até à queda do Muro: mais notoriamente Mauser, mas também O Horácio, Cimento, Germânia Morte em Berlim, e A Máquina Hamlet. A partir de finais da década de 1960, repetia-se frequentemente o seguinte procedimento: um teatro propunha-se encenar uma peça nova de Müller, ou de outro dramaturgo, e, como era costume, enviava o texto para ser aprovado pelo Ministério da Cultura; o responsável, por vezes o próprio ministro da cultura, chamava então o diretor do teatro, comunicava-lhe as suas apreensões e dizia-lhe que poderia encenar a peça por sua conta e risco. Este encorajamento à autocensura tendia a resultar, exceto em casos excecionais. A partir da década de 1970, à medida que Müller começa a ser conhecido no Ocidente, em parte devido à ambígua fama de crítico da RDA, a posição dos dirigentes do SED (Sozialistische Einheitspartei Deutschlands / Partido Socialista Unificado da Alemanha) muda. Num regime onde por vezes manuscritos tinham de ser passados clandestinamente pela fronteira para serem publicados fora do país, Müller passa a ter a liberdade de publicar e deixar encenar peças suas no estrangeiro, sendo mesmo encorajado nesse sentido. A razão cínica deste comportamento, segundo Müller, dever-se-ia à sua transformação num autor lucrativo. Embora certas peças suas não pudessem ser encenadas na RDA, qualquer encenação ou publicação no estrangeiro implicaria o pagamento de direitos de autor e, assim, a entrada de divisas na RDA. A partir de 1986, quando Müller recebe o prémio nacional da RDA, tornou-se naturalmente impraticável proibir ou desencorajar a encenação de peças de um autor premiado pelo próprio estado. Um ano depois, Müller era o autor mais encenado da Alemanha de Leste e o conjunto de peças A Estrada de Volokolamsk, que continham material que, publicado dez anos antes, teria sido proibido, já não foram alvo de qualquer ação estatal.»

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