Um gostava de passear de bicicleta, o outro a pé. Fora as deambulações, acho que nada liga Cioran a Walser: nem língua, nem cultura, nem itinerários. Nunca me passou pela cabeça aproximá-los. Foi por isso com verdadeiro espanto que descobri um texto de Cioran — rapaz, romeno, arrebatado, especialista no problema da morte — intrinsecamente walseriano. Pelo menos foi assim que o traduzi: A BELEZA DAS CHAMAS — O fascínio das chamas subjuga de um jeito estranho, para além da harmonia, proporções e medidas. O seu ímpeto impalpável não simboliza a tragédia e a graça, o desespero e a ingenuidade, a tristeza e a volúpia? Não encontramos, na sua transparência devoradora e na sua imaterialidade ardente, a projecção e a leveza das grandes purificações e dos incêndios interiores? Gostaria de ser levado pela transcendência das chamas, sacudido pela sua respiração delicada e insinuante, flutuar sobre um mar de fogo, consumir-me numa morte de sonho. A beleza das chamas dá a ...