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O que se passa naquelas montanhas?

“Quando a morte entra no quarto, a poesia é uma idiotice”, diz Ebru Ojen, a narradora de Meteors, numa espécie de eco longínquo da famosa frase de Adorno sobre a impossibilidade de escrever um poema depois de Auschwitz. O mais intrigante desta frase é que o filme de Gürcan Keltek é exactamente o contrário do que ela enuncia: Meteors é uma obra terrivelmente bela sobre a guerra. A explicação para isto talvez resida no facto de não existirem explicações claras neste filme.



O que se passa nas remotas montanhas do Curdistão, na fronteira entre a Turquia e a Síria? O que se passou durante a campanha militar turca contra os curdos, em 2015? Não estou certo de que o filme responda a esta pergunta. Na verdade, duvido que o filme queira responder ao que quer que seja. O que vemos, desde o primeiro plano - a lua crescente a desvanecer-se numa poeira densa, que também pode ser nevoeiro ou nuvens - é uma sucessão de imagens de uma beleza esmagadora.



Cenas de caça nas montanhas nevadas, um rebanho de cabras-montesas observadas pela mira de caçadores, a espera interminável até ao disparo, a morte de um macho, uma coluna de veículos militares ao longe, uma cidade em festa, tochas, pneus a arder, fogo-de-artifício, balas incandescentes cruzando a escuridão da noite, multidões em júbilo, incêndios, bombas, gritos, colunas de fumo, paredes esburacadas, casas sem paredes nem tectos, crianças sorridentes a brincar no meio das ruínas, milhares de pessoas a derrubarem uma barreira policial no meio de uma paisagem deserta, veículos militares parados como monstros curiosos em ruas estreitas, crateras por toda a parte, pássaros a pipilar entre arame farpado, um parque de diversões, carrosséis, música alegre, gritos de excitação e, de repente, uma chuva de estrelas riscando o céu, aldeões em busca de fragmentos de meteoritos numa espécie de estranha corrida ao ouro, duas serpentes enleadas num hipnótico e interminável ritual amoroso. Ou será antes um combate?



Voltando ao princípio: o que se passa naquelas montanhas? Quem está a morrer e quem está a matar? Quem caça o quê? Como é que um cenário de destruição e violência pode transformar-se no mais onírico dos lugares? A guerra é um sonho a preto-e-branco, feito de imagens às vezes nítidas, outras vezes desfocadas? A guerra, com todas as suas atrocidades, sendo difícil de perceber, é algo que acontece numa espécie de realidade fora da realidade? Aquelas montanhas não são neste mundo?



E como aceitar que há beleza em tudo isto? Da mesma maneira que aceitamos que o fogo é fascinante. Ou que o desejo do fim do mundo nos acompanha desde sempre. Um fim do mundo provocado por nós mesmos ou trazido por um cometa. Terrível.

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