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O sistema das canções

A música é um dos poderes máximos de Ford, talvez a chave fundamental. É possível que o seu desejo principal tenha sido converter o cinema em música, fazer filmes que se podem justificar pelo desenvolvimento musical, sem necessidade de mais nada. Creio que isto é verdade, pelo menos durante os prodigiosos anos da Argosy (incluindo Stagecoach). Depois, talvez se tenha interessado ou viu-se obrigado a interessar-se por outras coisas. 

Nesse sentido, Fort Apache é provavelmente a sua obra maior e bastaria este breve 1º acto para o demonstrar. Há ritmo até no bater de botas dos sargentos quando se põem em sentido perante O’Rourke na noite da festa. A música em Fort Apache também é o silêncio; o silêncio insólito e ominoso da carga, «formada a quatro», dos soldados do regimento quando o corneteiro é o primeiro a cair. Caso único entre as numerosas cargas de cavaleiros na obra de Ford, que são sempre acompanhadas pelo característico toque de clarim. No filme anterior, The Fugitive, o ataque dos cavaleiros da polícia, mandados por Juan Rafael, não é uma carga militar porque se dirige contra civis indefesos (a mim recorda-me o «Romance da Guarda Civil» ) e nenhum clarim o acompanha, só a música de fundo. 

Ocorre-me agora que cada uma das três obras da «trilogia da cavalaria» é a expressão suprema de uma arte. Música em Fort Apache; pintura, sem dúvida, em She Wore a Yellow Ribbon; e poesia em Rio Grande, pelas assombrosas correspondências, as «metáforas» que tantas vezes comentei nas minhas aulas. De todas as formas, os três filmes são música; a música é fundamental nos três, She Wore… tem o título de uma canção e em Rio Grande já demonstrei aquilo a que chamei, se não me engano, o «sistema das canções» (em A herança do cinema). Quer dizer, a forma como as quatro canções principais («I’ll take you home again, Kathleen», «My gal is purple», «By the Glenside» e «Dixie») constituem, em relação aos pares, o duplo sentido íntimo e político do filme. 


Simetrias — os 5 actos nos filmes de John Ford, de Paulino Viota.

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