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Mensagens

Isso só não chega

Estamos presos na nossa época como num pequeno lugarejo - vigiados por todos os lados, sempre nas bocas do mundo, toda a gente se conhece e mete o nariz na vida alheia - não há fuga possível. Chega-se às vezes a um ponto que só saindo da nossa época. (...) Mas se isso fosse possível, talvez acabasse uma coisa: a mania das grandezas própria de todas as épocas. O mundo está cheio de provincianos do tempo, de gente que nunca saiu da sua época, que nunca viu outra coisa que não os seus míseros setenta anos. Relatos de viagem já eles leram, ou seja, compêndios de História - mas isso só não chega. Que bem lhes faria se deixassem os ventos do tempo zunir-lhes aos ouvidos. Kurt Tucholsky, Hoje entre ontem e amanhã . Tradução de Renato Correia.

Adivinhas

Quem é, quem é? Dramaturgo, prosador, ensaísta, crítico austríaco e bêbado trimestral, nascido em 1863. Quem é, quem é? Torneiro de profissão, um dos fundadores e mais importantes dirigentes do movimento social-democrata sueco, católico e dono de um tapete persa. Quem é, quem é? Almirante na 1.ª Guerra Mundial e comandante supremo da Marinha francesa, de 1920 a 1924. Nasceu em Marselha, a 13 de Julho de 1866, com umas ventas enormes. Quem é, quem é? Homem de estado italiano, advogado e jornalista. Várias vezes primeiro-ministro e ministro em quase todos os governos, entre 1956 e 1973. Não se sentava em poltronas. Quem é, quem é? Cabelo cortado à escovinha, olhos míopes e barriga em forma de pêra. Membro da DVP, destacou-se na defesa da «lenda da punhalada nas costas».

P.

L. imagina P. sob o aspecto de um homem baixo e loiro, com um bigode de foca, um chapeu de côco demasiado pequeno e uma sobrecasaca fora de moda que abotoa e desabotoa continuamente. D. imagina-o como um senhor grave com enormes bigodes pretos. Seja como for, ambos estão errados.

Breve esclarecimento sobre as árvores

É sabido que, de todos os seres que habitam o planeta, as árvores são os mais reservados, sensíveis e esquivos. Não existem outros iguais, nem sequer parecidos. Para o provar, basta lembrar o limitadíssimo número de humanos que conseguiu observar duas árvores a fazer amor. Para além de mim, apenas mais três ou quatro pessoas, incluindo, segundo creio, Mozart*. Os seus transportes amorosos são regidos pelo mais profundo segredo. As árvores têm um faro muito apurado e nem por um só instante se deixam surpreender. Armadas de infinita paciência, esperam durante anos pelo momento certo para gozarem tranquilamente os doces prazeres, em dias de pesado e denso nevoeiro. O tema tem sido, por isso, campo fértil para a imaginação e a fantasia, existindo teorias para todos os gostos, algumas das quais bastante engenhosas e extraordinárias. Para esgotar duma vez este assunto e desembaraçar-me dele para sempre, vou descrever os factos tal como os testemunhei, deixando aos leitores o encargo de for...

Oh, my stomach, my stomach.

Two chairs were placed side by side in the middle of the room. There the heroes were seated while the partisans ranged themselves right and left, waiting for the wits to sparkle and flash. Joyce said, ‘I’ve headaches every day. My eyes are terrible.’ Proust replied, ‘My poor stomach. What am I going to do? It’s killing me. In fact, I must leave at once.’ ‘I’m in the same situation,’ replied Joyce. ‘If I can find someone to take me by the arm. Goodbye!’ ‘Charmé,’ said Proust. ‘Oh, my stomach, my stomach.’ William Carlos Williams.

Espíritos cultivados

Um espírito cultivado como esse não tem verdadeiramente interesse para mim. Admiro-o, aprecio tous les soins et les peines que foram necessários para o produzir - mas deixa-me fria. Afinal de contas, a aventura está terminada. Agora já não resta nada a fazer senão podar, aparar, ligar as ramadas - e todos estes labores são um pouco deprimentes. Não, não, os espíritos que amo devem conservar ainda certos cantos selvagens, a desordem de um pomar onde os sombrios abrunhos roxos chovem sobre a erva pesada, um pequeno bosque crescendo ao abandono, a possibilidade de uma cobra ou duas (cobras verdadeiras…), um lago a que ninguém sondou a profundidade e atalhos, atalhos recamados dessas pequenas flores plantadas pelo espírito… É necessário também que tenha esconderijos verdadeiros e não menos artificiais, belvederes ou labirintos. Nunca encontrei um espírito cultivado que não tivesse alamedas arborizadas. E eu detesto, abomino as alamedas arborizadas. Katherine Mansfield, Diário . Traduçã...

Atum, cachucho e cavala

António Maria de Oliveira Bello (OLLEBOMA), Culinária Portuguesa , Edição do Autor, Lisboa, S.d.

Aquilo em que ninguém reparara antes

Ninguém sabia de onde viera nem como chegara à cidade. Apareceu aqui um belo dia e foi tudo. O mais certo é ter caído das nuvens ou brotado do chão como uma erva rara. O fio do mistério começava justamente neste ponto. Passava os dias e as noites sentado nas esplanadas a enrolar cigarros e a espiar vagamente o plácido curso das horas. Fazia lembrar – que os grandes mestres da literatura me perdoem – um morno e indolente gato ao sol. De vez em quando pegava num livro, sem intenção de ler, abria-o ao acaso e punha-o logo de parte. Depois, engolia uma cerveja sem parar para respirar e ficava a olhar saudosamente para o copo vazio. Metia conversa, gracejava, contava anedotas no melhor dos ânimos. E quando era convidado para uma partida de cartas, não só não furtava ao jogo, como ainda dava gratificações aos empregados. Penso que tudo isto é o que se pode chamar um procedimento esquisito. Intrigados, muitos de nós começaram por conceber teorias fantasistas e abracadabrantes, rejeitando um...
Jean Paul, retratado por Heinrich Pfenniger, 1797-1798.

Jean Paul, autor de Maria Wutz de Auenthal, autor de Borges, autor de Pierre Menard, autor do Quixote.

O tal facto importante que, ao que parece, é essencial conhecer antecipadamente, é o seguinte: Wutz tinha - não comprado, como é que ele a poderia ter comprado? - mas escrito, pela sua própria mão, toda uma biblioteca. O seu tinteiro foi a sua tipografia de bolso. Qualquer produto novo da feira [do livro], cujo título fosse descoberto pelo mestre-escola [Wutz], estava, por assim dizer, de imediato escrito ou comprado. Pois a verdade é que se lançava imediatamente ao trabalho, aprontava o produto e oferecia-o à sua notável colecção de livros que, tal como as dos pagãos, era exclusivamente composta por manuscritos.  (…) Depois de ter enchido desta maneira, ao longo dos anos, a sua estante, com o que ele próprio escrevera e estudara, acabou por acreditar que os seus manuscritos eram os autênticos textos canónicos, enquanto os impressos não passavam de simples contrafacções dos seus. Queixava-se unicamente de não poder compreender - ainda que lhe oferecessem um bailado - a razão que ...

Devia ser papéis

"Mas porque está ele assim [magro, pálido e sem cabelo]?" disse Anna Pávlovna. "Deve ser de escrever, senhora." "Escrevia muito?" "Muito. Todos os dias." "E o que escrevia ele? Papéis?" "Devia ser papéis." "E porque não o impedias?" "Tentei, senhora: 'Não fique aí sentado, Alexándr Fiódorytch', dizia-lhe eu, 'vá dar uma volta. Faz bom tempo, muitos cavalheiros vão passear. Escrever para quê? Dá cabo dos pulmões e a mamã fica zangada...'" "E ele o quê?" "Ele dizia: 'Põe-te a andar! És maluco!'" Ivan Goncharov, A história de sempre . Tradução de Manuel de Seabra.

Problema

A dispara uma flecha na direcção de B . Exactamente a meio da trajectória, a flecha faz um desvio de 106º e atinge C no peito. De um ponto de vista matemático, como é isto possível? Justifique a sua resposta apresentando os respectivos cálculos.