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Mensagens

A forma do homem

« (...) For Arendt, it was always the world itself that provided the matter of thought. And if she turned to the authors and texts of the past to think those matters through — to literally permeate them with thought — it was not from a need for authority, or out of longing for a dead past, but because she believed, I suspect, what George Seferis expressed poetically: As pines keep the shape of the wind when the wind has fled and is no longer there so words guard the shape of man even when man has fled and is no longer there .» Thinking without a ground; Hannah Arendt and the contemporary g of understanding (último parágrafo), de Stan Spyros Draenos.

Sem corrimão

Há ainda o outro aspecto para o qual Draenos chamou a atenção... «pensamento sem fundamento» . Tenho uma metáfora que não é assim tão cruel, e que nunca publiquei, tendo-a guardado para mim. Chamo-lhe pensar sem corrimão. Em alemão, « Denken ohne Geländer ». Ou seja, à medida que subimos ou descemos umas escadas podemos sempre agarrar-nos ao corrimão para não cairmos. Mas nós perdemos esse corrimão. É assim que eu vejo a coisa. E é isso, com efeito, o que tento fazer. Da Conferência de Hannah Arendt na Universidade York, de Toronto, em novembro de 1972. Publicado como epígrafe em « Pensar sem Corrimão (Uma Antologia)». Tradução de João Moita. Relógio d’Água, setembro de 2019.

Conceição Ramos

A primeira experiência em Lisboa chocou Conceição. “Ficava fechada em casa. A patroa só me deixava sair quatro horas de 15 em 15 dias. Dizia que era para salvaguardar a minha honestidade, a minha pureza.” Com tal desculpa, tinha-a sempre à disposição para fazer mais isto e aquilo e aquele outro. “Às vezes, ia à casa de banho só para me sentar na sanita e passar pelas brasas. Era só um bocadinho, para aliviar.”

Democracia

As notícias que nos rodeiam são angustiantes — apertam, literalmente, as nossas ideias, os nossos sentimentos e até o nosso corpo. Resta-nos procurar no meio desse amontoado qualquer coisa que nos dê alguma alegria, por exemplo: um novo livro do rivettiano Alexandre Andrade.  Pelo título, Democracia  vale por dois. Andar na rua com a sua parcela de liberdade ao alcance da mão, pronta a brandir como se fosse uma bandeira ou uma ferramenta que se traz num saco a tiracolo .  Força, Mafalda!

Uma novidade desastrosa

Todo o dia ruminei sobre um pequeno detalhe extraordinário. Quando Pascal fala do homem, diz: que caos, que contradições, etc. O homem, que novidade ! Esta «novidade», que palavra admirável para definir o carácter anormal da aparição do homem, o imprevisto e o desconcertante de tal fenómeno. Com efeito, o homem é, na natureza, uma novidade, uma novidade desastrosa. Emil Cioran, Cadernos 1957-1972.

O metro parou

Ontem à tarde caiu uma árvore sobre a linha do metro. A circulação esteve interrompida durante algum tempo na linha amarela. Quando saí do trabalho, centenas, milhares de pessoas subiam e desciam a pé a Avenida da República. Ninguém parecia incomodado ou impaciente. Tenho mesmo a impressão de ter visto muitas delas a sorrir enquanto caminhavam ao longo da avenida. Seria de mim? Tudo me fazia lembrar as imagens da revolução.

Almas desiludidas

«A revolução estava morta e a reacção fincava as suas garras de abutre nos campos devastados e nas almas desiludidas. Os espíritos cultos que não encontraram amparo na fé, caíram no pessimismo. É essa imagem sombria do mundo e da vida que se projecta nas obras de Byron, de Heine, de Lermontov, de Pushkin, de Leopardi, de Musset, de Schubert, de Schumann, de Chopin e principalmente na de Schopenhauer.» (Lobo Vilela, Notícia acerca de Schopenhauer , 1939.) Resumindo, em épocas em que grassa o reaccionarismo, como esta que vivemos, carregada de cores sombrias, os «espíritos cultos» têm duas possibilidades: ou se entregam ao pessimismo ou entram para um convento.

No Inverno chove e no Verão faz calor

Um artigo no jornal cita o estudo de três especialistas — Jorge Avelar Froes, Manuel Holstein Campilho e Miguel Holstein Campilho —, que identificaram, finalmente, e sem margem para dúvidas, a origem do problema da falta de água no Alentejo e Algarve: «A chuva está mal distribuída, sendo excedentária no Norte e escassa no Sul, e acontecendo no Inverno, quando é necessária no Verão.»

Topless

«O meu homem não gosta que eu faça topless », comenta a senhora da caixa para a colega, na frutaria. «Porquê?», questiona a segunda, enquanto escolhe morangos para um cliente. «Acha que os outros se põem a olhar», responde a senhora da caixa. «Diz-lhe: os outros olham, tu comes!», prescreve a segunda.

Uma jarra de amarílis vermelhas

António Guerreiro, no Público de hoje.

Isso é verdade!

Ainda não há muito tempo - uma dezena de anos - que um tio meu me recitava de cor, na beira-serra do Algarve, trechos inteiros da História de Carlos Magno e dos Doze Pares de França . Eu lia, em rapaz, a camponeses da minha terra, romances de Júlio Dinis e de Camilo. E era vê-los participar na acção, falucando, perguntando, comentando. Guardo muito viva a lembrança da leitura de Amor de Perdição . Era uma comoção que se não continha. O meu padrinho Martins Farias, poeta afamado do lugar, sempre pronto a chalacear com o que havia de irreal nas situações, exclamava com os olhos afogados em lágrimas: - Isso agora é verdade! Isso é verdade! Mário Viegas Guerreiro,  Para a História da Literatura Popular Portuguesa .

Influenciadoras do século XX

 

Poetas desmancha-prazeres

Um poeta morreu. Durante todo o dia, os noticiários da Antena 1 lembraram o triste acontecimento. A certa altura, um jornalista mais sensível lamentou que o autor tivesse desaparecido pouco antes de se assinalar o Dia Mundial da Poesia. Um pequeno esforço para se manter vivo e teria morrido, em suprema glória, quatro dias depois. Teria sido muito mais bonito, mais «poético». Ah, o efeito que não daria!

Luta de classes

Nas ruas, os remediados arrancam os olhos aos pobres. Os pobres quebram as pernas aos miseráveis. Os miseráveis atiram pedras aos moribundos. Nos estúdios de televisão, os comentadores comentam. Nos camarotes, os ricos assistem a tudo, em roupa de gala, e batem palmas. Palminhas elegantes e discretas. Um tilintar simpático de pedras preciosas.

Tradutores à revelia

Ontem, na Térmita, o Rui confessou que traduziu autores de língua espanhola (pelo menos Oliverio Girondo, Roberto Arlt, Rúben Darío e Virgilio Piñera) sem saber falar espanhol. Eu traduzo do francês sem as devidas credenciais académicas. Acho que devíamos fundar uma associação não profissional de tradutores à revelia.

Palavras à-toa

Michelle Porte:  Não tínhamos nenhuma confiança no espectador?  Marguerite Duras:  Não. Tomamos o espectador por uma criança. O espectáculo cinematográfico é um espectáculo infantil... Quando vemos filmes antigos na televisão, por exemplo, o espectador é tratado como uma criança atrasada, como se fosse tonto, como se tivéssemos de lhe fazer a papinha toda.  Tudo isso vai de encontro a esta suspeita, definidora, que escondi bem dentro de mim — quando filmo, ela está em todos os planos — que o cinema não existe como função fundamental. Que é uma miscelânea de aspirações derivadas, falhadas, de múltiplas amarguras. E ao mesmo tempo que é assim, e isso agrada-me, tenho de desconfiar dos polícias do cinema, desses que o guardam, que dizem: aqui, é a imagem, e não palavras à-toa — mas as palavras à-toa são palavras lassas, livres. São magníficas, as palavras à-toa. Para cada um dos meus filmes vejo esta imagem: um supermercado que arruina tudo à sua volta, e que dita pala...