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Mensagens

Weininger

Carta para Jacques Le Rider  Paris, 16 de Dezembro de 1982  Ao ler o seu livro sobre o meu antigo e distante ídolo, não pude deixar de pensar no acontecimento que foi para mim a leitura de Geschlecht und Charakter . Estávamos em 1928, eu tinha dezassete anos e, ávido de todas as formas de excesso e heresia, gostava de tirar as últimas consequências de uma ideia, levar o rigor até à aberração, até à provocação, conferir ao furor a dignidade de um sistema. Por outras palavras, apaixonava-me por tudo, excepto pela nuance. O que me fascinava em Weininger era o exagero vertiginoso, o infinito na negação, a recusa de bom senso, a intransigência mortal, a busca de uma posição absoluta, a mania de levar um raciocínio até ao ponto onde ele se destrói a si mesmo e arruína o edifício de que faz parte. Acrescente-se a isso a obsessão pelo criminoso e pelo epiléptico (especialmente em Über die letzten Dinge ), o culto da fórmula genial e da excomunhão arbitrária, a assimilação da mulher ao...

Adiado

A conversa sobre Robert Walser que estava prevista para este sábado, às 16h00, no Salão Nobre do Teatro São João, foi adiada para o sábado seguinte, dia 6 de Dezembro . Mesma hora e mesmo local. Existiria contratempo mais puro, exacto e inapelavelmente walseriano ? Robert Walser é o génio sempre adiado. Desta vez, porém, apenas por uma semana. A entrada é livre.

A arte de sublinhar

É impossível sublinhar livros no comboio. Ou por outra: possível é, mas as linhas saem tortas, oscilantes, canhestras. Há um grau mínimo de rigor e geometria para o sublinhador de livros. Sublinhados tortos parecem sugerir um pensamento torto. As linhas devem ser direitas como o comboio a sublinhar a paisagem.
Gambúsia é um bom nome para uma futura operação da PJ.

A história acaba mal

O Porto acordou com outdoors do chefe da extrema-direita plantados um pouco por todo o lado. Os slogans são as asquerosas provocações do costume. A ambição megalómana deste tipo é homicida. O que muitos «portugueses» (eu incluído) sabem sobre tipos como ele, aprenderam com os mais velhos, nos jornais e nos livros. E o que vem nos livros é que a história acaba mal. Para todos, incluindo para o chefe.
A única fotografia em que estamos juntos (o Rui Manuel Amaral e eu).  

Dos jornais XXXX (tout va bien)

Se calhar o que nós temos que pensar é marcar dois dias de greve, em vez de ser só um.

As pernas de Henry Fonda

« (...) não me interessa se um actor consegue expressar bem emoções ou não. Para mim o que é importante é o carácter, captar a sua humanidade.» Como exemplo, Ozu escolheu uma cena de John Ford: «Vejam Henry Fonda em A Paixão dos Fortes : imóvel e inexpressivo – aí está a grandeza de John Ford. Fonda está sentado numa cadeira com as pernas empoleiradas num pilar e um sorriso de satisfação na cara – tenho mesmo inveja dessa relação entre Ford e Fonda.» Ozu, Humanness and Technique . Ozu, Donald Richie. The Stone and the Plot. Tradução de António Nuno Júnior. (Nota 60, página 182.)

Eles não percebem – por isso é que dizem que é Zen e coisas do género.

Sou pouco aplicada; só agora – e porque me ofereceram – é que estou a ler o livro Ozu , de Donald Richie (na tradução editada pela The Stone and the Plot * ). Tem uma série de informações importantes, mas o que mais me agrada são as citações de entrevistas ou dos diários do realizador: Existe no diário uma nota triunfal na data de conclusão da escrita de Viagem a Tóquio . «Terminado. 103 dias. 43 garrafas de saké .» Imaginei logo uma homenagem clandestina com alguns filmes, muito álcool e pouquíssimas palavras. Numa sala junto a uma estação de comboios.  A seguir vou ler Ozu, multitudes   (outra prenda maravilhosa). Desconfio que vou gostar mais do livro do Pablo García Canga.  * A tradução e a revisão deviam ter sido mais rigorosas, acho que nunca li um livro com tantos advérbios de modo no mesmo parágrafo. 

Trabalhar nas obras

Trabalho virada para a marquise. A janela parece um espelho: eu aqui a rever textos e, do outro lado, o senhor José a tratar das paredes. Os meus raciocínios são iguais aos seus movimentos: o mesmo ritmo, a mesma minúcia.

Do ridículo

Leio no jornal que os grandes grupos de saúde privados, como Mello Saúde e Luz, «saíram traumatizados» da experiência das Parcerias Público-Privadas. A declaração do presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada merece ser citada: «Terá de haver um retomar da confiança para os grupos privados se voltarem a interessar pelas PPP, porque saíram traumatizados.» Oh, o horror! O trauma!

Depender apenas do mito

Perante os resultados da fotografia, é possível que os pintores tenham ficado confusos. Depois caíram em si, descobriram o que a pintura ainda era. De igual modo, ou de um modo muito semelhante, os dramaturgos ficaram confusos com aquilo que a televisão e o cinema permitiam. Se aceitarem ver – se for coisa de ver – que o teatro não pode rivalizar com meios tão desmesurados – os da TV e do cinema – os escritores de teatro descobrirão as virtudes próprias do teatro, e que talvez só dependam do mito. Jean Genet, A estranha palavra que... Tradução de Aníbal Fernandes.

Dos jornais XXXIX

Zohran Mamdani : (...) And there are others who see politics today as too cruel for the flame of hope to still burn. New York, we have answered those fears.  Tonight we have spoken in a clear voice. Hope is alive. Hope  is a decision that tens of thousands of New Yorkers made day after day, volunteer shift after volunteer shift, despite attack ad after attack ad. More than a million of us stood in our churches, in gymnasiums, in community centers, as we filled in the ledger of democracy.  And while we cast our ballots alone, we chose hope together. Hope over tyranny. Hope over big money and small ideas. Hope over despair. We won because New Yorkers allowed themselves to hope that the impossible could be made possible. And we won because we insisted that no longer would politics be something that is done to us. Now, it is something that we do. (...)