Avançar para o conteúdo principal

Travar navalhas com ideias

Leio no jornal as terríveis notícias sobre o esfaqueamento de Salman Rushdie, em Nova Iorque. No Irão, o jornal ultraconservador Kayhan congratulou-se com o ataque ao escritor: «Bravo a este homem valente e consciente do dever que atacou o apóstata e vicioso Salman Rushdie. (...) Beijemos a mão daquele que rasgou o pescoço do inimigo de Deus com uma faca.» O diário estatal Asr Iran escreveu: «O pescoço do diabo [foi] golpeado por uma navalha.» E o diário Khorasan titulou: «Diabo a caminho do inferno.»

Na mesma edição do Público, um pouco mais à frente, leio um extenso artigo de Pedro Rios sobre o trabalho de Joe Mulhall, corajoso antifascista inglês e membro da organização Hope Not Hate. Joe Mulhall infiltrou-se várias vezes em movimentos radicais de extrema-direita para «expor o seu perigo ao grande público». Retenho estas palavras a propósito da visão «ingénua» de que o fascismo, o ódio, o racismo, a xenofobia e a extrema-direita se combatem com ideias, usando os mesmos palcos (leia-se redes sociais e quejandos), e não com actos concretos:
Esta ideia de que há um 
«mercado das ideias» em que a verdade prevalecerá, que o argumento com melhores méritos e valores, e mais factual vence sempre seria maravilhosa se correspondesse à verdade. Mas não corresponde. (...) Há 70 anos que se nega o Holocausto. Quantas vezes mais teremos de vencer esse debate? Tivemos o fascismo, vimos onde o fascismo nos leva, com as câmaras de gás. Quantas vezes mais teremos de vencer esse debate para que essas ideias desapareçam? Não funciona assim, não é assim que a Internet funciona. Quem grita mais alto, ganha.

Comentários

ZMB Mur disse…
Li num livro de Robert Anton Wilson uma citação de Karl Popper e que diz uma coisa contrária ao «dar a outra face» do pensamento católico, as palavras são mais ou menos estas (alguém que me corrija sff): «Não podemos ser tolerantes com os intolerantes».
Há muito tempo que lhe comprei o livro «O mito do contexto», ainda não tive oportunidade ou tempo para o ler, mas a frase que cito deixou-me, na altura em que a li, a pensar.
A solução qual será? talvez educar as crianças para que as gerações diferentes mudem, mas há muito tempo que a multiplicação dos berços dourados e sua indiferença ou a promessa do subsídio assistencial para o pobre revoltado fazem com que as pessoas não queiram ler, não queiram aprender, não queiram lutar por si próprios e contra todos por um mundo melhor para si e para todos: estamos todos vendidos ao capitalismo da selfie, do cartão de crédito ou da sopa bitcoin, e ai de quem diga que mamamos ou tenha inveja de nós! berramos mais alto que ele e mandamo-lo para o caralho.

é pena o mundo seguir esta direcção, a história repete-se como tragédia porque as pessoas há muito deixaram de pensar por si, só querem não deixar de ter o conforto de possuir dinheiro para o fino e o pires de tremoços e as férias nas maldivas... «o aquecimento global? ah isso é fake news, já não vou cá estar nessa altura, não me interessa, a culpa é do costa, do jerónimo e do putin»
atalhos disse…
E agora, os da realidade:

Aziz Nesin
Ettore Capriolo
Hitoshi Igarashi
William Nygaard

e, pelo menos, mais 33.
atalhos disse…
E Freya* por estar no local errado, à hora certa.